Este post marca uma novidade absoluta neste blog! OK, é verdade que pela primeira vez aparece aqui um homem nu, mas não é essa a novidade absoluta a que me refiro. Trata-se antes de uma questão técnica. Sempre, até hoje, tenho partido da escrita, sendo em função dela que a imagem se revela, surgindo, assim, como ilustração mais ou menos evocativa do que foi escrito. Desta vez segui o procedimento inverso: foi a foto que acompanha este texto e o título que Rick Castro lhe deu que motivaram estas linhas.
«Apanhado a fumar», declara o autor! Existe na foto uma evidente vontade de provocar e de se servir do humor para piscar o olho a quem observa. Porém, o que mais me interessa nesta foto é o que ela sugere acerca das ideias de transgressão e de castigo. A ambiguidade destes dois vectores é por demais evidente: a transgressão não é para levar a sério e o castigo contém em si mesmo uma forte sugestão de prazer, sendo que é nesta sugestão que está contida, verdadeiramente, a dimensão transgressiva. Tudo se reduz, portanto, a uma encenação feita a partir de um conteúdo narrativo conhecido e que o autor reescreve. Sei que esta é apenas uma interpretação entre outras possíveis, mas foi essa a leitura que conduziu o meu olhar e também é ela que orientará o meu argumento.
A provocação, pois também aqui é de uma provocação que se trata, é a de sugerir que olhemos para os afectos reais a partir desta matriz cénica. A hipótese de partida é a de que hoje em dia tende a afirmar-se um regime afectivo em que a neutralização da transgressão se faz recorrendo a uma transgressão maior. Consideremos uma transgressão banal aos convénios matrimoniais ou para-matrimoniais como é o adultério. Em torno dele existe um conjunto de narrativas conhecidas e mais ou menos cristalizadas, as quais enfatizam temas como o da traição, da destruição dos lares ou de uma distinta tolerância em função do género, entre outros. Sem dúvida que a valorização de uma sexualidade mais activa e participada obrigou a uma reformulação destas narrativas, mas ela teve, porém, um efeito ainda mais espectacular! Estou a falar da neutralização desta forma de transgressão pela exponenciação de uma transgressão maior! A multiplicação do swing (há sites que têm centenas de casais inscritos) ou a frequência, por parte do casal, de locais dedicados ao sexo - sejam eles físicos, como uma sexshop, ou virtuais, por exemplo sites com conteúdo explícito - evidenciam essa transgressão partilhada.
Esta assumpção da transgressão tem um efeito paradoxal: não só neutraliza os efeitos contidos nas narrativas acerca da infidelidade como domestica a própria transgressão. Tal como sucede na foto de Rick Castro, crime e castigo ficam restringidos a um efeito cénico, ou seja, são contidos no acto ritual a que passam a pertencer. De facto, muito embora esta transgressão domesticada se expresse de várias formas, no essencial está contida num espaço e num tempo definido, sendo essa a marca mais evidente da transformação em ritual. A dimensão cénica e performativa pode até ser mais realçada se considerarmos que muitos dos comportamentos assumidos não chegam nunca a concretizar-se. A transgressão pode, efectivamente, ser apenas um simulacro sem que por isso perca eficácia. Anunciar a disponibilidade para cometer a transgressão significa corporizar uma narrativa que contém eficácia simbólica: converte-nos em agentes de uma forma (pós) moderna de viver o amor.
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