quinta-feira, 12 de março de 2009

Pateta Alegre: variações com Sol & Dó






«O Afonso Henriques também não era, propriamente, um democrata exemplar», notou com absoluta pertinência o Poeta Alegre. Com os agudos inflamados do seu vozeirão de verdadeiro vate (69), pôs termo, desta forma, a qualquer veleidade de eventuais atrevidos, dispostos a colocar em causa a democracia em Angola e o empenhamento na sua causa por parte do Presidente Zé Dú!

Uma vez mais o insigne poeta e deputado mostrou a sua agilidade de bailarina com a pirueta do costume: levantou o mimoso pezinho dos aluviões da esquerda democrática e da ética republicana, para poisar o outro, com estrondo, na poeira ressequida do pragmatismo político. Tem insistido nesta dança-chique, sendo de enaltecer a qualidade do seu desempenho. Com uma bota no PS e um tamanco no BE, lá vai mantendo o equilíbrio, não se sabe se por ser oscilante a sua natureza ou se por não encontrar par que o agarre do jeito que almeja. Com um PS pouco dado a poesia e um BE com excesso de solistas, vai o Poeta Alegre mantendo o solilóquio enquanto pode, não faltando quem se deslumbre com a graciosidade do equilibrista.

Desta vez calhou-lhe o papel de dar lustro socialista à visita do governante angolano e como não é homem de lugares comuns, veio-lhe à ideia o nosso glorioso rei primevo. Não se lembrou o poeta de mandar imprimir um novo bilhete-postal que substituísse aquele em que se vê a cabecinha do Salazar no corpo de Afonso Henriques. Nem era coisa difícil: bastava trocar a cabeça do ditador de Santa Comba pela do estadista dos Santos e ficava a coisa resolvida. Não se alembrou, foi o que foi! Nem desse edificante boneco nem de algumas frases que a mim me ocorreram e aqui deixo à laia de alvitre para oportunidade futura.

«José Eduardo dos Santos é como Jesus: não parece saber nada de finanças e não consta que tenha biblioteca!»

«Para que Afonso Henriques fosse angolano só lhe faltou o petróleo».

«José Eduardo dos Santos é Job invertido (salvo-seja…): apesar de nada saber de finanças todas as benesses lhe caem em cima tornando-o rico como Creso».

«Mesmo sem ser Afonso Henriques, José Eduardo dos Santos vai conquistando Lisboa: depois dos bancos e da Galp só lhe falta o Terreiro do Paço».

«Se o Socialismo é vermelho e tem um punho fechado, o petróleo não tem cor a agarra-se de mão estendida».

«Quem quer amigos bons arranja-os e puxa-lhes o lustro – de preferência no hemiciclo de S. Bento».

segunda-feira, 9 de março de 2009

Do Bem e do Mal


Salvador Dali





Ouso tentar abrir o meu próprio caminho
No qual o Bem será o que me agrade
Aquilo que não quiser, indiferente,
Aquilo que odeio, o Mal. Nada mais.


Ralph Waldo Emerson



Não conheço melhores palavras que estas para consubstanciar a expressão do divino em nós. Mesmo eu, ateu na habitualidade de todos os dias, me revejo nesta afirmação do divino pela medida humana. Fácil de confundir com uma proposta niilista, erra quem assim avaliar as palavras de Emerson. No atrevimento do nosso julgamento está, afinal, o juízo divino. Implica apenas a confiança em nós próprios para ousarmos caminhar sem a tutela dos velhos guias e da sua autoridade.

Um conhecido aforismo, também emersoniano, ajuda-nos a esclarecer esta ideia: «Tal como as orações são uma doença da vontade, assim os credos são uma doença da inteligência». Talvez não possamos viver sem orações ou credos, mas convém que compreendamos a ilusão que veste umas e cobre outros. O que me toca mais profundamente, porém, é ainda outra coisa. É a certeza sem mácula de quem se arroga o poder de decidir sobre o Bem e o Mal, a Virtude e o Pecado!

Vem isto a propósito da condenação de um aborto feito a uma criança de nove anos que fora violada pelo padrasto. Talvez a idade da menina fizesse deste caso notícia mas a verdade é que algo de mais extraordinário se interpôs trazendo este infeliz acontecimento para as páginas de jornais e ecrãs de televisão. O arcebispo de Recife, ao que parece secundado pelo Vaticano, não só condenou o acto como excomungou quem o decidiu e praticou. Quando aludo ao «acto» não me refiro à violação, que essa, ao que consta, nunca foi coisa demasiado estranha às vestes eclesiais, mas ao aborto. «Defesa da vida», justificou o prelado, «atentado às leis divinas», assegurou convicto.

Do que defendeu o arcebispo, é justo dizer que vozes de burro, ainda que paramentado, não chegam ao céu. Pudesse esse desabafo sossegar-nos! É que a Igreja tem um peso social e uma importância que tornam irrelevante qualquer desabafo conciliador. É neste ponto que as palavras de Emerson nos cativam. Elas têm o brilho dessa cintilação que o leitor sempre procura naquilo que lê: quem de entre nós, buscando apenas no seu íntimo, sem a sombra de doutrinas ou pregadores, não consegue perceber o lugar do Bem e do Mal nesta história da menina brasileira? Céptico como sou, dou por mim acreditando que essa deve ser a única manifestação de divino que realmente importa: aquela que encontramos em nós próprios.