quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Perder a alma e a vergonha

Luís Afonso

Este blog não tem nenhuma linha editorial. Nem quer. A ideia sempre foi a de ir andando e vendo, escrevendo de acordo com essa deambulação, que na verdade é mais mental que física. Apesar desta abertura reconheço que sinto uma certa repugnância em meter a pena em determinados assuntos. Porquê? Ora, porque quando mexemos em merda acabamos, inevitavelmente, por nos sujar com ela. Vem isto a propósito dessa tropa da finança e da governação, desse conúbio excitado, em relação ao qual é impossível dizer quem faz o papel de puta e quem o de garanhão assanhado. Vão alternando, é o que é, facto que só mostra a perfeição da parelha.

Há uns gurus que se esforçam por nos mostrar que a actual crise tem evidentes semelhanças com a que o mundo viveu no final dos anos 20, mas há também outros, tão gurus quanto os primeiros que asseguram que não é nada assim. Enfim, eles que são os gurus que se entendam, mas entre os dois momentos há uma diferença que não pode deixar de ser notada. É que em 1929 os financeiros caídos em desgraça assumiram o disparate. Houve até alguns que pularam dos altos lugares a que tinham subido para se estatelarem cá em baixo, na calçada, junto da gente anónima. É verdade que não temos por cá nenhum Empire State Building e talvez não tenhamos sequer nenhum trampolim suficientemente digno para a excelência das criaturas que nos foram governando as finanças, mas que diabo, não seja por isso, há ainda assim edifícios com altura suficiente para assegurar o sucesso do empreendimento.

Estou a brincar, claro que estou a brincar! Queria lá agora semelhante coisa! Que seria de nós sem esses abnegados cidadãos que de nós tão bem cuidam? E na verdade, não saltar para o vazio, não assumir as consequências dos actos desastrosos que cometeram, é apenas perder a alma. Nada de mais: talvez uma alma se possa comprar… afinal trata-se de gente habituada a comprar tudo. Seja como for, suicídio de honra à parte, mandaria o pudor que se mantivessem num recatado silêncio comprometido. Perder a alma é o de menos, grave mesmo é quando são exactamente os mesmos impolutos cidadãos que se colocam em bicos de pés acenando com a solução para as porcarias que eles mesmo fizeram. Neste caso não se trata já de ficar sem alma mas de perder a vergonha.

«Salve-se a banca, custe lá o que custar!» E o governo diz presente, lançando milhões sobre as frágeis instituições como se fosse um cura de aldeia lançando água benta sobre os pecadores. 450 milhões de euros para o BPP não é nada de mais. Sobretudo se tivermos presente que o fazem com a melhor das intenções: garantir que os «muitos milhares de depositantes não perdem as suas economias», disse o ministro. Veio depois a saber-se que, ao todo ao todo, os tais depositantes perfazem o astronómico número de… 3 mil. Faz lembrar aquelas crianças que quando estão a aprender a contar dizem «1 – 2 – 3 – 4 – 5 – muitos…». O ministro, que é uma espécie de criança retardada, conta «Um milhar – dois milhares – muitos milhares…». Já agora, visto que somos todos nós a pagar a conta, devíamos ter direito a saber quem são esses três mil magníficos que estamos a amparar. E, já agora, se não for pedir muito, era também bom saber quanto abichanaram eles no tempo das vacas gordas…



Vale a pena considerarmos a lógica irrebatível da argumentação. Enquanto se tratou de ganhar milhões jamais passou pela cabeça das selectas criaturas qualquer forma de redistribuição. Vivia-se o liberalismo no seu máximo esplendor:

- Quem tem unhas é que toca guitarra, e nós, que nos preparámos arduamente para ser mais inteligentes, mais capazes, mais competentes, mais informados que a humanidade em geral, porque diabo temos agora que repartir proveitos? Tratem da vidinha, façam-se espertos que nem nós. Então andou a minha mãezinha a ser enrabada em casas de mau porte para eu chegar a engenheiro e isso de nada vale? E o papá, obrigado a assaltar transeuntes no pinhal da Azambuja para me pagar o MBA? Como pode alguém imaginar que possa perder-se tão doloroso investimento - pelo menos muito a mamã se queixava? Ainda por cima em proveito de uma ralé desqualificada! Não faltava mesmo mais nada!

Quem se atreveria a rebater tão poderosos argumentos? Nada mais justo, pois claro. O problema é que logo que o cenário mudou também a retórica se fez nova. Os convictos liberais fizeram notar de imediato que assim não podia ser.

- Será então justo que sejamos nós, nós que tanto nos sacrificámos pelo bem do país, a arcar com este trambolhão dos mercados? Pode lá ser tamanha desfeita! O melhor, o mais justo e o mais adequado à difícil situação é, sem dúvida, distribuir o mal pelos dóceis lombos habituais.

É claro que já se fizeram revoluções por muito menos e aposto até que outras se farão por coisas da mesma natureza. Mas a nós sempre nos tramaram uns tais de «brandos costumes», não sei se têm ouvido falar… Mesmo isto que aqui escrevo não é mais que estéril (e histérico) desabafo, reconheço. Consigo até ver que tudo isto é bem mais simples do que parece. O problema verdadeiro, chamemos-lhe nó górdio, talvez seja apenas o de não termos verdadeiros empresários. Pois é: não temos, nunca tivemos e há demasiada gente empenhada em que nunca venhamos a ter. O que nós temos mesmo é malta especializada em fazer o mal e caramunha, em atirar a pedra e esconder a mão. Meninos que são mais liberais que o mais liberal dos liberais quando a coisa lhes convém, mas que logo estendem a mão ao pérfido Estado quando a vida lhe corre mal. Não só sem mostrarem vergonha, que essa, já o disse, há muito a perderam, mas de peito cheio de certezas: «Somos nós que sabemos como se deve fazer, portanto, arredem-se para lá e deixam-nos trabalhar». E assim vamos. Sempre cantando e rindo como tão bem nos ensinaram.

E o governo, senhores? Pois não é ele socialista? Se o é, não lhe ficaria bem pôr termo a tão desatinado regabofe? Dir-se-ia que sim, mas no que toca à alta finança e à baixa política as coisas nem sempre são o que parecem. O governo já explicou que dava um mau aspecto do caraças deixar falir um banco português. Caiam-nos os parentes na lama se tal desgraça acontecesse. Que diriam de nós os demais? Os estrangeiros, logo eles, sempre tão atentos a fraquezas desse tipo? Pela parte que me toca tendo a achar que ficamos bem pior na fotografia por sermos o país mais desigual de toda a União Europeia. Claro que isto sou eu a misturar alhos com bugalhos. Então não se vê logo que uma coisa nada tem a ver com a outra?

A possibilidade de um banco falir (como se não falissem bancos todos os dias…), isso sim, deve afligir-nos; a pobreza no meio da riqueza é uma coisita desagradável, de acordo, mas que podemos nós fazer? Vendo bem, a desigualdade social nem chega a ser um verdadeiro problema. Então não estamos todos fartos de saber que tal flagelo tem apenas a ver com a baixa produtividade? Pois é! Trabalhem mais e mais ganharão. É a velha história: a competência e o trabalho devem ser premiados.

Já sei: aí vêm os bota abaixo afirmar que a regra nem sempre é essa. Prontinhos a dizer que o senhor Loureiro, que até chegou a ser ministro, se auto-proclamou incompetente. É verdade que as falcatruas lhe passaram todinhas ao lado, mas isso que tem a ver com incompetência? Então alguém acredita que um sujeito incompetente faz fortuna em tão pouco tempo? Dizem-me aqui que sim, que é possível, que está até sempre a acontecer, mas eu cá não acredito. Bom, pelo menos posso esperar que este meu lado de angelical ingenuidade acabará por me levar à glória de Deus. Será que lá também sujarei os dedos a mexer em certos cidadãos?

2 comentários:

Anónimo disse...

समलैंगिक

Luís disse...

O mesmo para ti!!!!