sábado, 13 de dezembro de 2008

A imaginação de Deus

Félicien Rops

Há já muitos anos que tenho esta ideia como verdade indesmentível: Deus, a existir, revelou uma gritante falta de imaginação no momento da criação! Não discuto a sua ilimitada capacidade de criação, mas por isso mesmo me parece evidente que não só poderia ter tornado a nossa vida mais divertida como lhe teria sido fácil tornar menos espinhoso o espinhoso mundo dos afectos!


Milénios e milénios passados e essa espécie de drama quotidiano foi-se tornando parte da nossa natureza. Colada à pele, temos a condenação de vivermos em permanente tensão entre a evidência do dualismo – há gajos e gajas… - e o ideal de complementaridade. Ou seja, por um lado percebemos as diferenças e até as reforçamos, mas por outro vivemos no arrebatamento da procura do amor verdadeiro, aquele capaz de conciliar as partes desunidas numa só alma redimida. Dito assim, tudo parece simples: ao capricho dos deuses que segundo os velhos mitos nos separaram, responderíamos com o achamento da metade que nos falta. Pois é, também por aqui se vê que por vezes as coisas simples se revelam bem complicadas! Porém, e este é o meu ponto, tivesse sido Deus mais ousado e estou em crer que tudo teria resultado mais fácil.

Vai um exercício de pura especulação delirante? Imaginemos então um demiurgo mais criativo que o que nos coube em sorte. Eventualmente bastaria apenas que fosse um pouco mais ébrio. O que importa para o caso é que imaginemos que ele decidia, na sua altíssima e soberana inteligência, oferecer aos seres humanos não dois mas, digamos, cinco sexos! Isso mesmo: esqueçamos o singelo mas grosseiro dualismo ♀ ♂ e atentemos nesta grelha:


SEXO .......................A......B.....C.....D.....E .............A.....B.....C.....D.....E

CONFIGURAÇÃO .........Tipo 1 – Concavo ..................Tipo 2 - Convexo

DESCRIÇÃO ............A 1...B 1...C 1...D 1...E1............A 2..B 2..C 2..D 2..E 2



Imaginemos um pouco mais. O nosso criativo demiurgo, como bebera entretanto uns copitos a mais, decidiu tornar as coisas um pouco mais complicadas. Ou estimulantes, depende da perspectiva... Assim, em primeiro lugar, achou por bem que cada ser humano nascesse provido não de um mas de três sexos - daí a expressão «três é a conta que Deus fez...». Decidiu ainda que as concavidades e convexidades não se encaixassem do modo mais óbvio e lógico. Por exemplo, o A 2 (convexo) apenas se adaptaria ao C 1 (convexo), enquanto que o C 2 apenas encaixaria, digamos, no E 1 (concavo). Confusos? Não é caso para tanto, mas em todo o caso penso que tudo ficará mais claro recorrendo a um exemplo concreto.

O Carlos Alberto e a Cátia Marisa amam-se. Pelo menos desconfiam que sim. Acreditam que se complementam de uma forma suficientemente satisfatória para serem felizes um com o outro. Se quisermos dar uma de liberais, podemos imaginar que ambos partilham uma visão desempoeirada da sexualidade, de tal forma que admitem mesmo que a relação entre ambos admite abertura (controlada) a outras experiências. OK, vou ainda mais longe: ambos possuem uma bissexualidade latente, inequivocamente prometedora de emoções fortes! E pronto, fomos longe na imaginação mas, mais coisa menos coisa, daqui não se passa.
Consideremos agora a solução alternativa. O Carlos Alberto possui os sexos A 1; B 2 e C 1. Quanto à Cátia Marisa, a natureza dotou-a com os sexos A 2; D 1 e E 2. O nosso parzinho entender-se-ia às mil maravilhas através dos sexos C 1 / A 2. Mas e o que ficava por preencher?! É que, por muito que tentassem, as concavidades e convexidades restantes não encaixariam umas com as outras. Que fazer perante tamanha aflição? É neste exacto ponto que esta visão alternativa se torna interessante!

Interessante mas previsível, reconheço. Claro, está bem de ver. Era necessário, indispensável e pacífico abrir a/s porta/s a mais gente. Como sou ruim a matemática abstenho-me de tentar calcular quanta gente mais. Basta fazer notar que cada novo amor trazia consigo uns quantos mais! Uma verdadeira comunidade de amantes! Autentica festa dos sentidos! Com a vantagem adicional, verdadeira cereja no topo do bolo, de acabar com a estrita funcionalidade reprodutiva, pois nesta ordem alternativa todos podiam engravidar e ser engravidados. Talvez existisse a dificuldade de saber quem cometera essa façanha, mas isso já é outra conversa.

Os mais pessimistas dirão que isto só exponenciava o conflito. Hereges, é o que são! Vejam bem: andaríamos todos tão ocupados a descobrir concavidades e convexidades alheias que não teríamos tempo nem disposição para zangas! É ou não é?! E que festiva religião não seríamos nós capazes de fazer para louvar tão providente demiurgo? A evidência do princípio do prazer tornaria indesmentível aquilo que alguns se empenham em negar: é o orgasmo, meninos, é o orgasmo que mais nos aproxima de Deus. Mai nada!

2 comentários:

Kátila disse...

Estava eu a procurar essa imagem "Felicien Rops" e eis que venho parar aqui no seu blog, em meio às suas especulações sobre ser homem e mulher ou ser muito mais do que isso. Talvez Deus tenha criado duas topologias de sexo, masnós humanos, somos muito mais que isso, e acredito (eu e a psicanálise toda) que haja essa bissexualidade latente. Nós não somos só homem e mulheres, somos heteros, homos, bis, trans, travestis, e tem até os que dizem que somos INTERSEX, o que, para mim, resume em uma palavra toda a matematização que você especulou. A gente não é esse quadradinho sem graça que encaixa apenas em outro quadradinho sem graça.
Há possibilidades, basta aceitá-las, o que é oooutra história!

Enfim, achei a figura que eu procurava, mas não entendi qual a ligação dela com as suas especulações...

Gostei muito de ter encontrado, ao acaso, seu blog.

Abraço,
Kátila

Kátila disse...

Então Luís...

acredito sim que todo mundo tem " um diabinho" que cutuca a gente... Acho que as pessoas têm desejos, os mais variados, imcompreensíveis, esquisitos. Agora dizer se esses desejos são pecados ou trangressões, quem sou eu? Deixa isso para quem gosta de julgar... Mas o Papa, claro que ele tem desejos, talvez ele nunca se de conta disso... talvez ele tenha decidido não pensar sobre isso. É tão mais fácil jogar as coisas para debaixo do tapete.

Abraço
Kátila