terça-feira, 28 de outubro de 2008

A nova ordem mundial do desejo!!

Balthus

Dizem-me que a convulsão e o arrebatamento dos corpos e dos instintos são próprios dos grandes finais. Asseguram-me que à morte dos grandes impérios sempre se associou uma espécie de falência de valores e certezas e que disso resultam múltiplas consequências. A ser assim, o declínio do império americano (abençoado seja o declínio, não o império…) será inevitavelmente acompanhado por uma série de desastres & catástrofes & bíblicas punições mas também por uma espécie de reinvenção do que somos através dos excessos. Dizendo de outro modo: para lá da perda do carro, da casa e da reforma, adivinha-se o regresso de algumas das extravagâncias que assinalaram a debacle de antigos impérios. Para ser ainda mais claro: podemos perder tudo o que disse e mais ainda, mas apaziguaremos a desgraça em orgias de proporções cósmicas! Dirão os mais apressados: lá está ele a confundir os seus mais destravados desejos com a dura realidade histórica! Juro que não. Desde logo porque falo de orgia em sentido amplo, como, aliás, teria que ser, já que lhe atribuo essa proporção cósmica. Mas a certeza de que não me engano reside noutro detalhe: é que esse estado orgástico há muito que começou e a ele, já hoje, poucos de nós escapamos.
Podia armar-me em chato e falar das orgias consumistas e de como o mundo inteiro se verga à sua lógica e despudor. Porém, como nesta conversa convém que o pé não vá além do chinelo, focar-me-ei nessa convulsão de corpos e desejos a que aludi (grande surpresa, não é?!). Habituado ao empírico por dever de ofício, não quero falar aereamente nem fazer de ideias superficiais matéria de tese. Ater-me-ei, rigorosamente, ao que observo da janela em que me debruço. A minha amiga Sofia confidenciava-me há dias o seu desejo de viver um amor simples. Olhei-a com espanto. Prisioneira habitual de indecisos amores teria ela encontrado a Verdadeira Luz? Precipitado como sou, pensei logo na velha fantasia de um amor e uma cabana, ou então, mais prosaicamente, nela e no seu rapaz, mão com mão frente à lareira, olhando na TV, embevecidos, a novela da moda ou uma comédia romântica. Do alto do seu metro e oitenta (saltos incluídos), olhos verdes e levemente estrábicos arregalados, depressa me esclareceu. Que não era nada disso. Que um amor simples podia incluir tudo (sublinhou o “tudo” abrindo os braços), desde que houvesse cumplicidade e partilha entre os dois. «Festarolas a três, quatro ou mais? Colchões de água e mergulhos em motéis em múltipla companhia?», perguntei eu ingenuamente. «Pois claro!», garantiu, com o olho ainda mais arregalado de genuíno espanto.
É este o meu ponto! Não há mais lugar à tranquilidade conubial de outrora. Conheço a imediata objecção: vendo bem nunca existiu essa tranquilidade, pois com uma facadinha aqui e outra ali quase sempre havia mais que dois no tálamo consagrado dos esposais. Isto é certo, mas admitam, caros leitores, que entre o que não se sabe, ou sabendo não se assume, e o que passou a fazer parte dos acordos do casal vai uma grande distância. Até que bate certo: deve ser a distância entre uma civilização no seu auge e a sua queda iminente. Há uma outra objecção de peso a que importa responder. Dir-me-ão que uma andorinha não faz a Primavera e que a Sofia é a Sofia, excelente moça a quem, eventualmente, os amores indefinidos terão toldado o sentido. Errado uma vez mais. Basta a gente passarinhar pela net, visitar sites de encontros ou conversar com desconhecidos para percebermos que a sinistra mancha do delicioso pecado alastra desgovernada. Bem sei que convém distinguir entre fantasia e realidade, mas o certo é que bastam dois minutos de conversa para que as todas as possibilidades eróticas menos convencionais se soltem no discurso. «Ménage a trois, já experimentaste?», «Clube de swing, já foste?», «Acreditas que a minha última queca foi numa cabina telefónica em plena Baixa?» Juro que é este o tom dominante, de tal forma que só nos resta proclamar o fim de império e brindar ao que aí vem.


Balthus


A esta sede de experimentação (leia-se vontade de rebaldaria…) associa-se uma logística cada vez mais sofisticada. A Sofia, ela mesma, já mostrou interesse numa máquina cheia de correias e alavancas que um amigo meu inventou. Mas também aqui não é só ela. Haverá ainda quem use um simples preservativo convencional? Já não! Agora têm que ser estriados, coloridos, com sabores, vibrantes, comichosos… eu sei lá! Também os consoladores nunca estiveram tão na berra. Vendem-se como pãezinhos e não há ninguém que se possa lamentar de não encontrar um a seu gosto – tamanho, forma, cor e minudência técnica adequada à fantasia de cada um/a. Toda a gente pode realizar fantasias pagando pouco. Ou nada. Chega a ser preocupante para quem gosta de coisas simples. Por exemplo, atreva-se alguma miss a ir para um primeiro encontro com uma daquelas cuecas confortáveis, de algodão e gola alta! Tenho a impressão que o parceiro, obnubilado pelos fantasiosos tempos que vivemos, a confundirá com alguma madre abadessa e fugirá dali a sete pés!
Poremos fim ao império ianque celebrando essa tal orgia de proporções cósmicas. Fim de um ciclo e nascimento do outro. As filosofias orientais não andam assim tão longe deste enunciado, só que dispensam os acessórios, os motéis e a internet. Seja como for, há-de ser a energia libertada por tão participado processo que nos redimirá. No novo ciclo logo virão causticas regras de contenção e pudor. Por isso, aproveitemos agora que o tempo urge e sempre ficaremos com a medalha de bons revolucionários para mostrar aos netinhos!

Balthus

10 comentários:

Anónimo disse...

Excelente!!
E não ligues a "bocas foleiras" eheheh

beijinhos

Luís disse...

Eu não ligo a foleiras mas adoro bocas. Mesmo anónimas, por assim dizer...
E por esse cafezinho com prosa, quanto tempo me vais fazer esperar?

Anónimo disse...

Ele há muitos anónimos! Primeira reacção: desagrado ante as ilustrações. Contudo, não ao nível referencial directo (deixando de atender à pedofilia; à coerção e compulsão) mas vendo o símbolo: não será que todas as relações são assim? Não se busca um prazer em que o outro nos serve? Será que é sempre? Vá, escreve sobre isso! (É uma ordem, pelo que também eu te estou a obrigar!)

Anónimo disse...

Admirável Mundo Novo...

Anónimo disse...

“O homem civilizado rejeita sua parte animal, no entanto, para legitimar sua promiscuidade e adultério, usa sem ressalva exemplos poligâmicos da fauna. Mas, “esquece” de uma variedade de espécies exclusivamente monogâmicas. Há registos de Darwin sobre cobras macho que perdem algum tempo com as fêmeas mortas antes de prosseguirem em busca das parceiras vivas. Trair não é natural, somente pode haver traição quando, de forma directa ou não, se tenha algum compromisso ou investimento afectivo, relacional. Assim, pode-se dizer que os animais não traem. Mesmo acasalados, cruzam com todos que forem possíveis de encontrar no seu caminho. Não tem consciência de opção pela parceria, esta se dá pela oportunidade de acesso, e, no geral, em obediência ao ciclo reprodutor ou cio. Obviamente, não consideram uma série de itens subjectivos e preferenciais na escolha da parceira (o) como faz o bicho homem.

As pessoas assumem compromissos, profissionais, comerciais, e tentam cumprir essa promessa. Assim sendo, aceitam pagar multa quando quebram, por vontade própria ou por motivo de “força maior”, esse contrato. Porém, quando se trata do contrato afectivo (informal ou legalizado: casamento) não tem o menor pudor, geralmente não se preocupam de machucar o outro. A perda afectiva raramente é “ressarcida”, nem que seja com um mínimo de consideração. Nenhum envolvimento com uma nova pessoa justifica que não se possa ter um cuidado com o outro preterido ou que está sendo “largado”.

No geral, o macho se enrosca com as perdas dos vínculos afectivos, age de maneira extremista, nega essa dor ou quer destruir a fonte do seu desprazer. O “ponto final” da mulher, nunca é visto como um “chega” aos seus abusos, mas, da suposta traição da mesma em andamento. Por centrar-se no sexual, ele fantasia no seu “lugar” um sujeito provedor dos mais intensos orgasmos. Não reflecte suas atitudes.

Entretanto, é esse ser freudiano indecifrável que nos últimos tempos reivindica direito, se qualifica e galga, cada vez mais, espaços de trabalho. Está se descolando do subjugo do macho, quebrando as amarras que a mantinha “cativa”. Doravante livres, as mulheres são mais acessíveis como parceiras sexuais, mas, ao mesmo tempo, mais intimidantes, mais ameaçadoras para o homem. Muitos homens não compreendem mais o que as mulheres esperam deles.

Na concepção do macho a mulher se enquadra em apenas dois tipos: a) para casar: “direita”, de preferência virgem, assexuada, um clone da sua santa mãezinha para o domínio do lar e geração de prole; b) para o sexo: da rua (nem sempre profissional do sexo) que, se for “boa de cama” e prometer exclusividade, poderá ser um devir da outra, “filial” na sua vida. O facto é que muitos homens ainda falam abertamente das amantes e de sua utilidade normal: ótimas para a gente se divertir, mas não para casar. E há mesmo homens (culto e liberais) que nem sonhariam dizer tal coisa, mas na realidade agem como os demais.

Amantes, talvez para atenuar sua condição desviante e inocentar os parceiros. Tentam convencer que os mesmos as procuram porque se ressentem da escuta, e elas acusam suas mulheres dessa indiferença. Uma espécie de “psicólogas” de alcova, papel pelo qual se envaidecem por considerar que desempenham muito bem. Porém, a relação extraconjugal não significa absolutamente que existe uma falta no casamento. É uma presunção enorme das amantes achar uma falta para elas existirem.

Comumente, macho nenhum expõe seus reais sentimentos para mulher alguma, ou, talvez, para ninguém, pelo menos pelas vias diretas. Portanto, ele apenas diz aquilo que lhe interessa ou através do qual tire proveito. Uma vez que, na sua cabeça “abrir-se” pode ser traduzido como fraqueza.

Alguns homens têm um desejo patológico de ferir e dominar. O homem, mais “econômico”, direto, se certifica do amor que lhe cabe e fica tranqüilo.

No macho, em termos de sexualidade, “nada pega”, do contrário, o enaltece. A moral sexual manifesta-se segundo um duplo padrão social: indulgência com as extravagâncias masculinas, e um olhar muito severo quando diz respeito às mulheres. Os homens foram desenhados, por um lado, para serem sexualmente livres, mas, por outro, para relegar a uma posição moral inferior as mulheres sexualmente livres. É notável a facilidade com a qual a mulher é rotulada de vadia, etc., nem precisa que ela seja devassa igual ao homem, ou que se envolva por dinheiro, mas que se aproxime do estilo sexual de ser o masculino. Ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade.

A conduta opositora de “dama na sociedade” e “puta na cama” é uma danosa deturpação que inscreve o sexo casto no domínio do privado, e a livre expressão da sexualidade no domínio público promíscuo. Na forma extrema, patológica - o complexo santa-prostituta, a dicotomização da mulher deixa o homem incapaz de fazer sexo com a esposa, de tão santa ela lhe parece. O homem é a medida de todas as coisas. Porém, não há a inveja do órgão masculino que Freud quis impor, mas, das oportunidades, das conquistas, do que foi dificultado ou impedido às mulheres.

Enfim, a dupla moral social permite que o homem se aproprie da “puta” e da “santa”. Daí o dilema das moças que, se por um lado “mostrarem-se recatadas”, podem não agradar; por outro lado, se “desinibirem-se”, poderão ser julgadas ou “usadas”. Acredito que, nesse caso, a maior ressonância do preconceito é o que vem da mulher. Há uma tendência do parceiro a desqualificá-la ou a valorizá-la em conseqüência da sua maneira de encarar a própria sexualidade.

Cabe ressaltar que respeito não é sinônimo de repressão, restrição ou “trava” na expressão do desejo sexual. Casto, é todo prazer sentido com gosto.”

Anónimo disse...

Olha só o que tu arranjas-te!
Aposto que o teu blog nunca foi tão concorrido.. eheheheheh

Luís disse...

A concorrência doa anónimos! «Quem a cara não dá, o cu esconde». Olha, inventei um anexim!!
Há anónimos que escrevem (ou citam...) muito e outros que fazem desafios. responderei a ambos, prometo!

Anónimo disse...

Há anónimos que escrevem (ou citam...) muito

Luis,

Pois é esse o nome que consta do seu perfil.

Não pretendia e não vigio resposta ao meu comentário.

Com o mesmo, apenas pretendi colocar um início e um final a uma contingência.

Saravá

Luís disse...

Não haja então vigilância, tal como não há obrigação de resposta. O que existe é o prazer de trocar ideias. Ou não foi o prazer, com excesso os sem ele, que aqui nos juntou?

Anónimo disse...

Bocas... E lábios?! De que tipo?!